Abóboras

Reirazinho
4 min readOct 31, 2022

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John R. Neill, Jack Pumpkinhead, from Little Wizard Stories of Oz by L. Frank Baum, 1914

Nas manhãs de outubro minha mãe preparava os doces e os enfeites para o halloween, principalmente as abóboras. Eu tentava escolher a minha fantasia, mas poucas vezes tive êxito. Ela gostava que me vestisse todo de preto, como o Drácula, mas com a máscara com formato de abóbora. Era meio patético, sequer combinava com a roupa. Certa vez tive a brilhante ideia de assustá-la. Fiz um boneco de pano com a cabeça ao contrário e encharcada de sangue falso. Pendurei na sala de estar e quando ela o viu, gritou deixando cair sua xícara com café no chão. Lembro com bom humor apesar da surra que levei.

Seu apreço com abóboras era estranho. Nunca gostei da textura, me remete a gosma, e o gosto é ruim. Um dia ela me forçou a comer doce de abóbora, disse que fazia bem para a saúde. Saboreei com raiva na língua. Como pode alguém fazer isso? Não gosto de comer aquilo que não gosto.

Na noite seguinte, era 31 de outubro, saí com os meus amigos pela vizinhança caçando os doces. Lá estava eu trajado de preto, mas com a cabeça de abóbora. Fui acompanhado pela Migle, minha gata de estimação. Por algum motivo Migle era carinhosa apenas comigo, mas ignorava totalmente a minha mãe.

Passamos por muitas casas, mas paramos na de meu pai. Ele nos convidou e pediu ajuda para separar as guloseimas. Conversamos um pouco Ele é engraçado, nos fazia rir facilmente. Em dado momento, chegou o assunto da minha mãe. Sua fala contagiante logo se esvaneceu para uma seriedade evidente. Perguntei o motivo do divórcio deles:

— Falemos sobre outra coisa, filho — disse enquanto olhava os doces.

— Diga, pai, tenho curiosidade — retruquei-o.

— Não cai bem falarmos disso, ainda mais na frente de seus amigos. Deixa pra lá.

— Tá bom — replico sem êxito apesar da curiosidade.

Aceitei sua sentença, mas olhando desapontado. Ele percebeu e foi até outro cômodo. Voltou pedindo para meus amigos irem embora. Gostaria que ficássemos a sós.

Prosseguiu a contar, começando com o fato de minha mãe ter uns papos malucos. Disse sobre a paranoia dela em relação aos rituais de bruxaria. Colecionava artefatos e muitos livros desse tema. Tinha o costume de se afastar do meu pai para se atentar aos livros.

— Não é só por ela se afastar do papai, eu também não me dava bem com ela. Brigávamos muito e você via isso. Não fui eu que pedi o divórcio.

— Sinto muito, papai — Minha face escancarava minhas palavras — Sente falta dela?

— Mais de você. Vamos falar disso outra hora, ok?

Quando falávamos sobre o divórcio, via a preocupação tomar notas de seus comportamentos. Desviava de assunto e parecia haver segredos para fora de minha ciência. Ele rompe o desconforto:

— Como ela está?

— Fora o mau-humor de sempre, está bem.

— Que bom.

— Mas… quando vocês irão voltar a se falar? — digo com ansiedade.

— Então, meu filho, acho melhor não. Namoro agora a Shary, e ela não gostaria nada disso.

— Só quero que você se acerte com minha mãe. Vamos, por favor! — digo com brilho nos olhos.

— Tem certeza?

— Muita! Faça por mim.

Um leve receio amalgamada por dúvida o fazia pensar. Apesar disso, pela minha surpresa, sua resposta era o que eu precisava.

— Quer saber? Você está certo. Não tem razão de nos mantermos assim. Não é nada saudável a nós e a você — papai de pé se pronuncia.

— Vamos lá?

— Vamos!

Fomos até a minha casa. Eu estava feliz, finalmente teria meus pais juntos. Seria como unificar pessoas em prol de algo maior. Pensei como seria o encontro enquanto caminhava. Vi as crianças aprontando suas travessuras quando os velhos rejeitavam os doces. Era engraçado. Até a Migle estava feliz, rolava toda manhosa no chão. Mas ela correu para uma casa toda escura. Adentrou-se lá e ignorava nossos chamados. Cansamos de bater palmas e ninguém sair. Papai teve que ir entrando para pegá-la. Ele foi até o fundo, mas não voltou. Demorou um tempo, eu o chamava, mas nenhum sinal de vida. Apesar do medo gritante em mim, entrei na casa. Lá a Migle estava… só que infelizmente, morta. Não havia sangue, mas nenhum sinal de vida. Gritei pelo meu pai, mas nada. A vizinhança escutou tudo. Uma senhora se aproximou e perguntou o que havia. Após eu dizer, ela acionou a polícia.

Eu não parava de chorar, não entendia bem o que houve. Meu pai nunca mais foi encontrado, mas encontraram uma roupa da minha mãe. Houve boatos que ela saiu da casa correndo, mas ninguém que disse isso testemunhou a polícia. Mamãe foi interrogada, não obtiveram nenhuma prova, apenas essa roupa que para a polícia, era uma coincidência estar lá. Esteve em casa no momento do crime.

Jamais fui o mesmo depois dessa calamidade. Minha mãe jura de pé junto que não há relação com isso. Agora cuida melhor de mim, até parece que a morte do meu pai foi o despertar de interesse por seu próprio filho.

Lembro da primeira vez que perguntei sobre os livros de bruxaria e sobre ela sumir com meu pai. Respondeu que tudo era coisa de gente fofoqueira. Falou que estavam colocando abobrinhas em minha cabeça.

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Written by Reirazinho

Sou feito de palavras não ditas e de melancólicas emoções. Escrevo o meu mundo com poesias e prosas.

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