Casa abandonada
Lograda a casa abandonada, residência conhecida pelo medo infindável. Um jovem desce as escadas que gruem em som macabro. Acende um candelabro que o acompanha no seu trilhar destemível, e sente um ar gelado rasgar seu corpo. Mas ao olhar o espelho trincado no quarto, fita uma garota de cabelos negros o encarando. Decide aproximar-se dela, mas a garota desvanece. Vozes lamuriosas rançam no local. A porta se fecha bruscamente, na escrivaninha do quarto há um livro velho. Ele lê algumas páginas: “O afável cântico que minha avó deixara para trás mate-me em tristeza. Não mais ouvirei tua voz bela que imolava os problemas mundanos e transcendia todos os homens em um único verso: amar. O único verbo perene que está em tudo; nada o evade: Amor é Deus.’’
Em outra página relativamente acinzentada: “Desejei tanto essas mulheres, consumi todos os corpos que pude, mas sentia-me oco. Considerava-me devorador, nunca satisfeito da carne feminina, necessitava tê-las para cessar a míngua de algo. Quem dera se as funestarias de minha vida houvesse um amor verdadeiro que resolveria este problema”.
Rasga e joga o livro em qualquer canto, mas de repente as páginas avançam para uma em branco. Lentamente a página é grafada com algumas palavras. Atento com tudo e suando frio, lê completamente transtornado: “Quem procura, acharás o que não desejas. Vos carregais infortúnios por onde andas, rasgai todo gracejo que compôs a música do mundo. A folha em branco é o que habita em meu espírito”.
Um vento de friagem absurda movimentou o livro até a última página. Tal entidade fantasmagórica, contínua: “As notas tão benditas foram jazidas a esmo do seu coração. Pobres humanos, fastiosos por novidades. Ao entrar na minha casa, condenaste perpetuamente a si.’’
O chão começa a se quebrar, os móveis sacodem como um terremoto. O jovem corre, porém, o candelabro apaga. Uma voz horrenda, misturada com dezenas de outras, canta em um coral, dizendo que o ódio é Deus e o homem é um erro. Correndo sem rumo e estremecendo em adrenalina, ele pede desculpas ao vento. Consegue perceber a porta da entrada pelas frestas de luz vindo dela. Indo a caminho, a garota do espelho surge. O corpo dele fica imóvel, seus olhos feitos carmesins sangram sem razão. A garota anda com um sorriso medonho até o próprio e quando finalmente chega, lentamente suas unhas pretas perfuram seus olhos. Não obstante, ela finca as unhas na garganta e verticalmente arranca sua cabeça. Sobe a escada feliz com a cabeça no colo, como se fosse uma noiva em núpcias andando ao quarto de seu marido. Preparou no fim a delícia de um dia tão sonhado.