Reirazinho
2 min readAug 2, 2024

Num tom cinza de arrependimento claro,
numa prepotência de emocionar
gente desconhecida,
eu escrevo.
No imperativo: eu escrevo!

Me coloco na posição de vítima
ao recordar da falta de tato contigo.
Quantas vezes você cuidou de mim?
Foram tantas broncas e avisos dados.
O alarme em voz alta soava medonho:
eram premonições táteis da vida mundana.
Segui as ordens e nada aconteceu;
que bom que nada aconteceu…

Saudade que derrama
lágrimas vazias vazadas do peito!
O leite de seu seio me alimentou
como me fez crescer saudável,
bonito, talentoso, carinhoso.
Éramos a magia das palavras;
você revelou nos meus lábios calados.

O garoto quietinho cresceu, mamãe!

O tempo sem escrúpulos ruía a carne
de nossos corpos. A nossa fofura
ganhava idade, como também
despedaçava…
Lentamente…
Rápida…
Cortante.
O silêncio de forma gritante,
proclamou nossas almas.

O jovem agora é distante, mamãe!

Quantas vezes eu cuidei de você?
Pergunto ao vento frio das questões.
Você me deu tantos alarmes,
mas a rota que sucedeu foi
um macabro câncer de mama.

Você escondeu um câncer, mamãe!
Um câncer!
E eu, medíocre como sou, ignorei:
— Sua voz mórbida e desalmada;
os chiados e gemidos ao dormir;
seus olhos amarelados de girassóis
sem pétalas;
o seu mundo frio de uma dor absurda.

Como é irônico essa vida!
Com o seio que exauriu o poeta
foi com ele que você partiu de mim.
Avistei ele na UTI: necrosado, duro,
sem leite, sem vida, sem merda nenhuma!
Eu? Eu fiquei sem palavras que jamais
poderia fingir poder te dar!

A sua netinha iria nascer,
e não haveria distância
como eu te distanciei;
não sorriria o ar gelado
ao silêncio branco do mar.
O peso arrependido é esse.
Eu… Eu… Escrevo!
Para enganar a mim mesmo
que você não foi embora,
e a minha dor ser o triste preço.

O homem agora é triste, mamãe…

Reirazinho
Reirazinho

Written by Reirazinho

Sou feito de palavras não ditas e de melancólicas emoções. Escrevo o meu mundo com poesias e prosas.

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