Excertos
I.
Mar de bocas dançam
no balé só desejo,
a tempestade estremece
com seu relâmpago do fim;
relacionamentos choram
e se afogam em prantos:
Eis os passos do amor.
II.
A gentileza não chama
para o abate individual.
É assim que morre o afeto?
Estive engolido por essas
pessoas durante anos,
a garganta o vinho bebeu,
pus a amizade nas entranhas
lá onde o coração grita
por ser papel que se rasga.
Todos me magoaram
nessa embriaguez de corpos.
III.
Rápida, sagaz, ela fura!
Escorre a vida
tomando-a de assalto.
Jaz o rio particular,
e lentamente lava
a iniquidade sobre o corpo.
Assoa o brinquedo do homem,
resta-nos o fogo da
lembrança… Vem a alegria, a decepção,
o desejo de eternidade;
tudo vai se exaurindo,
como o som da memória do estrondo,
a carnificina da injustiça,
o tempero do ódio sobre
as lágrimas irascíveis,
o vazio que adorna o vento.
IV.
Completamente indiferente numa escrita automática, exorcizando o inconsciente sem sentido. Paro um segundo para deixar de olhar essa tela branca e imediatamente chicoteio a membrana do cérebro esperando algo de bom acontecer. Vem a música do Rob Zombie perturbar a cabeça, ou melhor, melhorar a estética mortuária que eu penso. Essa música pode dar calafrios aos ouvidos mais comuns, dizem que há maldições sobre a loucura das músicas assim. Convido a todos a participarem dessa sonoridade abismal, vale a pena. Enquanto o teclado atormenta qualquer descanso como o inconsciente, a música dos instintos medonhos se sobrepõe nela. Nada faz sentido a não ser ter o que dizer, para mostrar o que é dito aos que podem julgar esta pataquada literária.
Tem dia que entendo o inconsciente, mas tem dia que o maltrato para sair algo que presta no papel. Sou meu próprio carrasco, mas sem o pano preto vestindo a devassidão da própria face. Voltando a música, Rob Zombie passa uma energia de morto-vivo, isso desconsiderando o nome da banda. Só conheço uma música, e ela é suficiente para me deixar vidrado aos sentimentos mais incomuns que eu consigo. Não penso em nada, quando deixo fluir as notas como palavras descoordenadas num comboio de imagens abstratas, sinto que a liberdade me exorcizou; sem amarras, sem regras, sem sentido, sem propósito. Adoro ir até as profundezas vazias do meu universo particular. O que posso encontrar lá? Me assusta saber o que posso ver, mas não o suficiente para admirar tudo o que consigo criar.
V.
Os direitos dos trabalhadores estão transcorrendo pelo sangue imaculado; caindo das espremidas algemas do trabalho e sangrando à saúde de quem sustenta a nobreza dos lacaios. Sem qualquer atino que reluza a consciência, a ideologia soterra a liberdade, como enterra milhões de vidas classificadas em estatísticas. Nomeia-se, assim, a famosa democracia.
VI.
São fustigados pelo carma da palavra,
cortam-na na sangria etérea,
eles lutam contra a inspiração hodierna,
eles são bárbaros da precisão.
Bravos guerreiros da tradição secular,
deuses de uma ideia metafísica,
mártires da polpa do fruto caído,
reis da poesia e dos seus tácitos ritos.
VII.
Condenado à reflexão!
Escravo das imagens,
das nuances, do vulgar,
contempla a faca e seu corte
que sangra imaginação.
Homem de pequenas coisas,
tem o porte inteligente
tinta da caneta fala,
e se escreve toda a mata
do arvoredo universal.
VIII.
A mocidade está partindo,
Escorrendo num comboio desgovernado,
O que hei de pensar?
Sem dinheiro não se é jovem,
Partimos da casa ao trabalho,
Depois ao barzinho, embriagar
Da beleza momentânea às redes sociais,
Dos relacionamentos que se acabam,
Da depressão à vontade de sumir,
Da eterna insatisfação de ser jovem.
IX.
Minha cólera é de caráter ontológico — tornou-se interlúdio do protesto contra o mundo. Sou contra aqueles que agem na surdina; típicos ignóbeis sujeitos batedores de carteiras. A clássica rotina que debruça na própria miséria o desejo de sucumbir posses de outrem. É vero, aos vermes os nomes devem ser de classe: políticos. Outrossim, a escolha semântica de alta classe é de orno estético. Ora, gente como o que vos fala, aos arredores das verdades nuas e sombrias da realidade, merece respeito. Demonstro respeito ao destruir o véu de larvas sobre os poros de nossos rostos. Proclamo aos meus confrades o linguajar de escalão político, porque odiar com classe é fulcral.
X.
Minhas poesias são horríveis, escrevo para gastar horas. Seria melhor se um heterônimo assumisse os créditos do que escrevo. Tudo o que faço acaba em ruína. Quem chega perto de mim perde energia. As relações nas quais me integro no mundo são angustiantes. Os versos são instintos que me associam à vida, mas não me refletem a ela.