Exercício poético
Quando escrevo a palavra brinca num jogo de vórtices labirínticos. O pensamento nunca conversa com a palavra, todo exercício literário é um eterno “quase lá”; versar é a potência das possibilidades, algo que poderia ter sido, mas não foi. Ato sem dúvida ferozmente depressivo, os poetas são obcecados com o excesso da vida, isto é, da loucura. Insanidade é a genuína consideração dos versos como propósito existencial. Os loucos estão no calado poente compondo aquilo que os tormentará no fim. Ao menos essa tarefa massageia o intelecto porque nos impõe a busca do perfeito, domestica-nos nas rédeas do esforço. Diferente da oralidade: conversar cansa. Exaure a consciência do bom senso, evoca a insurgência da comunicação oracula. Gasta a garganta, e é instintivo. Escrever também é instintivo, mas de outra espécie, esta é de caráter transcendental (mirando a lupa da experiência humana a elevação da qual ela não pertence).
Apaixonar-se por um bom soneto amoroso afastamo-nos do amor. Ser ou desejar aquilo vivemos, ou gostaríamos de viver, é replicar experiências particulares, unívocas, subjetivas, únicas! Somos repetidores da universidade do mundo. Jazemos sobre o pranto da memória, a mais insólita melancolia do homem: não há maneira de se abater a frivolidade das lembranças. A arte boa só é boa porque o hospício da civilização permite-nos olhar a angústia dessa nossa alcateia poética. Sem poesia, eu não viveria.